22 de setembro de 2014

Rebola Gretchen!

Acordei ansioso naquela sexta-feira chuvosa. Dia de medir a temperatura da compostagem e prosear com João Soares.

Soube que o operário do zoológico havia trabalhado no garimpo de Serra Pelada, no PA, no inicío dos anos 80 e imaginei o quanto de histórias haveriam incrustradas nas lembranças de João.

Tiradas as temperaturas das canchas com a ajuda de Ivanildo, entramos na sala do recinto, rústica esperando a chuva passar.

"João, fiquei sabendo que você esteve em Serra Pelada".

João olhou com seu estrabismo, e pôs-se a memoriar, fatos de sua vida passada.

"Estive sim no garimpo, não em Serra Pelada, mas num garimpo vizinho, onde só dava pra chegar de avião. Quando era novo, não queria saber de nada, até meus vinte anos. Não gostava de trabalhar, até que minha mãe falou algo que me marcou. Ela disse que eu não prestaria pra nada nessa vida, foi então que fiquei sabendo que estavam achando ouro em Serra Pelada e resolvi que iria pra lá, trabalhar pesado e dar uma vida melhor pra véia. Um conhecido me arrumou uma vaga, e quando cheguei, a vaga já havia sido preenchida".

A chuva engrossava, e João proseava ritmado:

"Fiquei perambulando pelo garimpo e vou falar uma coisa procês, eu nunca passei fome no garimpo. Poderia não ter dinheiro, não ter nada, mas lá nunca ninguém passou fome. O encarregado me viu e disse "Vai lá se servir e come o quanto você quiser, de fome aqui ninguém morre".

Ivanildo se interessava também pela história.

"Vi muita coisa lá. Havia um cara que era empresário. Você sabia que o cara era bambambam pelo avião que ele voava. Nada de tecoteco, se o cara chegasse de bimotor você sabia que ele tinha bala no cartucho. Cheguei lá voando no avião de um empresário chamado Copila, o cara mais rico do garimpo. Ia com o avião lotado de coisas. Teve até um dia que o avião estava muito pesado, tiveram que deixar uma privada para o avião conseguir voar. E vocês sabem que esse tal de Copila caiu com o avião sete vezes e o cabra não morreu. Chegou a ficar pendurado nas árvores com o avião, eu vi tudo.. e caiu da árvore e não morreu. Esse tem sorte".

Perguntei a João sobre as mulheres.

"Lá havia vários puteiros. Mas o esquema de trabalho no garimpo era o seguinte: Você tinha que arrumar a sua turma, era tudo organizado. Se você invadisse o barranco do outro dava briga e até morte. Me juntei a um grupo e quando um encontrava ouro, era dividido por todos. Passava o dia na lama, vocês sabem o que é isso? pra achar 30 gramas de ouro. Isso não pagava nem o diesel do avião."

E você achou ouro lá João? indaguei

"Vixi, achei nada. Achei foi uma malária que quase me matou. Muita gente achou ouro, mas gastava tudo na cidade. Tinha gente que fechava a rua inteira dos puteiros, e mandava tirar quem não queria, e só deixava os camaradas. Era mulher e bebida, torrava tudo num dia só. Teve até um dia que a Gretchen foi lá, novinha de tudo, era namorada de um empresário. A peãozada batia punheta ali mesmo, imagina, dois meses sem nada, vendo a Gretchen, ninguém aguenta, e ela lá rebolando ai !"

A chuva havia amenizado, aproveitamos a trégua e entramos no palio azul escuro duas portas de João e a prosa continuou dentro do carro rumo ao refeitório:

"Rapaiz, sofri demais. Você não tem noção do que é um garimpo. Tem gente que sai rico e gente que sai mais pobre do que chegou. Passei dois meses lá no meio da lama, e depois da malária que quase me matou, voltei pra casa."

Desci do carro mais o Ivanildo que se encaminhou para o trator, enquanto João foi almoçar e eu coletar amostra de água da caixa d'água.




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