8 de setembro de 2014

Quem é esse sujeito?



Novamente subi hoje na compostagem, onde encontrei João Soares esparramado no sofá.

Havia muitos galhos para trituração, mas a ausência de Expedito que está sofrendo de dores nas pernas e na coluna, acabou acumulando trabalho, já que ninguém pode manipular as máquinas sozinhos, sob o risco de algum acidente.

Proseei novamente com João, durante breves minutos, enquanto o Sol a pino castigava as telhas de amianto, tornando o local quente demais.

_Olha, vou te contar uma coisa... anos atrás quando entrei aqui, quebrei meus dois joelhos jogando bola. Foram mais de sete meses de molho. Quando retornei, virei encarregado dos pedreiros, e trabalhei com gente que já matou sete.

Olhando João esparramado no sofá contando suas lembranças, olhei o ambiente rústico onde estávamos: uma sala de piso de cimento mal acabado, móveis velhos de madeiras, um armário de metal amassado.

_Desses presidiários que trabalharam comigo, o único que deu trabalho não era presidiário. Era um da frente de trabalho que todos os dias chegava com uma garrafa de cachaça. Falei pra ele "Esconde isso, se quiser beber, dá uma beiçada ai no meio do mato, sem ninguém ver". 

Fiquei curioso sobre a nova história de João.

_Esse foi o único que me deu trabalho e me peitou "Amanhã eu vou aparecer com a garrafa e quero ver você tirar de mim." No dia seguinte ele apareceu com a garrafa e perguntei "É pinga?" sua cabeça balançando confirmou. Deixa eu cheirar então. Dei um cheiro e era pinga mesmo. Falei pra ele "Então você será informado aos chefes, porque beber aqui não pode".

João é estrábico, baixa estatura, rosto com linhas marcadas pela idade, brucutu na fala e nos gestos.

_Avisei aos chefes que pediram que arrumasse as suas coisas, pois estava dispensado. Fui jurado de morte "você me paga". Os outros três presidiários vendo a cena, fizeram uma roda no sujeito e disseram "Você não toca no João pois não sabe do que somos capazes de fazer". Depois desse dia, ele apareceu duas vezes sob a janela de um ônibus, me jurando. Nunca mais apareceu.

Estava quente e aproveitei pra subir numa das canchas atrás da tampa da minha lapiseira. Reparei que João sumiu do recinto e por algum momento me vi sozinho, naquele local afastado e cheio de vegetação, com cheiro de bosta.

Desci da escada e vi João cabreiro.

_O que foi João?

_Tem algo estranho aqui, muito estranho.

João olhava para a estrada de terra batida que dava acesso à compostagem e ao Safari.

_Vi um Pai de Santo bem ali. Ele estava parado, olhando pra cá. Boa coisa não é. Me escondi atrás do carro, esperando-o passar, mas ele não passou. Ficou parado aqui, olhando para a compostagem.

Aquele papo me arrepiou. O que um Pai de Santo estaria ali, parado olhando para o nada? 

_Ele é funcionário e quando bebe desanda a falar. Bateu três vezes no meu ombro e disse "Tem alguma coisa em você que não permite me aproximar". É o meu santo que é forte. 

Fiquei pensando o resto da tarde nesse fato. Um misto de medo e receio. Quem é esse sujeito?

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