31 de agosto de 2014

Trocando pneus e a volta da habitual filosofia de escutar os causos

Já faz um mês que mudei da rotina do sofá e do tempo em demasia, para subidas e descidas entre as árvores de um parque.

É como se o roteirista decidisse mudar tudo, tirar o coadjuvante do seu marasmo e transformá-lo numa espécie de jungle man protagonista. Foi isso que virei. A priori, minhas primeiras funções no parque zoológico de São Paulo era analisar a água do lago e o cloro. Percorro vários pontos do parque, entre eles a ilha dos macacos. Com as amostras em mãos, entro num pequeno laboratório cheio de aparelhagem onde faço análises quimicas e coisas do tipo. O parque é extenso e ando muito todos os dias.

Entre as pessoas que lá trabalham, dividem-se entre os brucutus, as mocinhas e os engravatados. Meu contato maior se dá com os brucutus, trabalhadores braçais com pouco estudo e que executam os serviços mais pesados.

Após a ausência de Expedito, 71 anos, numa quarta-feira, subi para ajudar Soares, afinal a compostagem fica num lugar distante e se acontece algum acidente ninguém fica sabendo para te acudir.

Num desses dias, peguei na enxada e suei que nem moleque novo. Trabalho pesado, de peão mesmo.

No outro dia, ajudei o Soares a trocar o pneu da Bobcat, uma espécie de mini carregadeira, um tratorzinho com pá que faz uma barulheira danada. Bobcat é o nome da marca, cujo símbolo é de um gato que deve se chamar Bob.

A compostagem fede demais. Imagina que há de tudo lá, restos de comida, restos de animais mortos, bosta de Elefante e outros animais do parque, um cheirão só.

Mas é interessante ver como o tal do composto que era lixo vira algo útil e nutritivo para o crescimento de plantas e alimentos.

Numa dessas tardes, com o Sol queimando as nossas maças do rosto, pûs-me a prosear com Soares, João Soares, goiano de nascimento.

"João, nunca peguei uma japonesa.

-ah, eu já. Foi em 78. Entrei no estabelecimento e escolhi a japonesa.

"Nem ruiva também.

_Ah, eu já. Respondia João Soares com seu jeito truculento.

- Ruiva do cabelo duro. Foi em 79. Ela engravidou e tirou um filho nosso. Era um feto de dois meses. Fiquei injuriado e nunca mais a vi.

_ Lembro de uma outra moça também. Tenho outro filho que hoje deve ter 34 anos. Fui até o Pará buscá-lo, mas a mãe dele o escondeu. Voltei ainda mais duas vezes, mas nunca o via. A mãe virou bandoleira, mulher da vida, puta. Queria dar uma oportunidade pro moleque, trazer pra São Paulo, mas a mãe escondeu. Sei que ele casou e tem família.

Enquanto escutava João relatando suas histórias, o Sol escaldava e ardia minha testa. Eram histórias perdidas na alma dos homens, inóspitas e esquecidas até que alguém as cutuque e elas brotam das lembranças remotas.

Expedito também contou um pouco de sua história dias atrás. Dizia "mulher é tudo de bom", casado, oito filhos, Expedito não tem mais idade pra pegar na enxada e fazer aquele serviço pesado, que eu aos 33 suei em demasia pra realizar.

Cada homem com sua marca. Eu, letrado, no meio da bosta, não era nada além do que todos somos e seremos um dia, um corpo em decomposição.

João Soares na sua brucutulência ria com minhas interpelações... As histórias estão presas nos homens, mas é bom ouvir o desconhecido de dentro de quem relata.



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