18 de março de 2012

A filha do Desembargador

Fazia uns cinco anos que não a via. Hoje, numa daquelas tardes mortas, quando o outono dá os seus primeiros indícios de aparição, com o vento frio e o sol fraco, ela apareceu.

Marcamos um breve encontro para o fim da tarde num ponto estratégico da cidade. Levantei-me do meu estado inerte e paralítico, sacudi uma camisa xadrez de flaneja e me dispus a caminhar ao seu encontro.

A vi entrando na galeria, com o olhar perdido nas vitrines.  Estava diferente, com os cabelos mais soltos, o mesmo jeito de andar e balançar os braços. Caminhei em sua direção sem que me percebesse pelo gesto e a agarrei pela cintura, como surpreendendo-a. Sua risada soltou- se pelo ar como se o tempo nunca tivesse passado.

Fomos tomar um café. Entre conversas e recordações, percebia no olhar da filha do desembargador um distanciamento paradoxal, margeado por acontecimentos recentes, como a morte de um ente querido e grandes dúvidas de quem busca caminhar na vida. Passamos a andar, sobre a rua vazia, dando espaço para o vento e o cinza.

Passamos por lugares onde na minha memória eram vivos, espaços por onde percorri dezenas de vezes, cenários de boas histórias e romances. O tempo passou rápido naquela tarde, mas os ponteiros do meu relógio denunciavam que ainda tinha tempo antes de uma despedida e a convidei para um filme. Minha preocupação não era o filme nem o entreter, mas sim, estar perto da filha do desembargador, porque sabia que o tempo é cruel e muitos e muitos anos se passariam  até eu poder revê-la novamente. E fiquei a fitá-la, nos gestos das mãos, na risada pelas besteiras faladas, no balançar dos fios dos cabelos, na beleza que aquela pessoa representava.

Mas nem tudo parecia certo, por detrás daqueles olhos e suas palavras ditadas ao longo de nosso encontro revelou algum tom acizentado. A filha do desembargador caminhou por sinuosidades e desvios turbulentos que nos rebatem para vários cantos apertados.

O filme acabou e na despedida a abracei, desejando dias mais claros e suaves, sem a penumbra da noite ou a dor melancólica após um porre. Que seus dias fossem suaves, como uma brisa da manhã.


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