A comédia não é divina, muito menos é divina comédia.
Beatriz apareceu há seis anos atrás. Me encontrou num dia de muito calor, em janeiro.
As primeiras linhas que escreveu, revelou-se um grande mistério. Logo eu, que estava há anos habituado a encontrar as pessoas, dessa vez fui encontrado.
Dizia-me que num certo dia de final de ano esteve a olhar a imensidão do oceano. E alguma coisa inacabada a incomodava.
Demorei algumas horas para poder acreditar que naquele momento adentrei ao paraíso, anos após anós ter perambulado entre o inferno e o purgatório. Era ela que estava ali, diante de mim, assim como Dante se surpreendeu ao encontrar Beatriz à sua espera.
Questionei o porquê de ser Beatriz, e nada mais óbvio do que a referência do grande poeta, que encontrou sua musa a primeira vez, aos nove anos de idade.
Mas eu não era Dante, muito menos um poeta.
E por estar a pouco tempo diante do mar e olhando a imensidão do oceano, não pude deixar de lembrar Beatriz.
***
Já estava há alguns dias no hospital, aguardava as substâncias químicas agirem-lhe no corpo, percorrerem as veias num caminho sinuoso em direção à região inflamada, onde o exército de corticóides realizaria o trabalho da reconstrução da mielina.
Eu, aprofundado no caso, tinha as ações ineficazes, pois não havia nada a fazer, a medicina se encarregaria de restaurar a saúde em Beatriz, mas fiquei alí a fazer o que mais sabia.
_eu...
Beatriz balbuciou três palavras desconexas.
_Não entendi? comentei.
_eu amo.
a frase foi cerrada pelo efeito corticóide.
Fiquei muito pensativo com o que acabara de ouvir. Ouvir um eu amo inacabado poderia dar margem a muitas intepretações.
E antes que pudesse dar linearidade aos pensamentos, adentrou a enfermeira para a troca do soro:
_ A visita acabou, volte amanhã.
Despedi-me de Beatriz e quis acreditar que por um instante estive no paraíso, como Dante e apesar da jovem estar sob o efeito da medicação, quis crer que era verdade, mesmo tendo enormes dúvidas daquilo que eu nem sabia se era real ou um efeito anestésico.
***
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