4 de janeiro de 2012

Beatriz

A comédia não é divina, muito menos é divina comédia.

Beatriz apareceu há seis anos atrás. Me encontrou num dia de muito calor, em janeiro.

As primeiras linhas que escreveu, revelou-se um grande mistério. Logo eu, que estava há anos habituado a encontrar as pessoas, dessa vez fui encontrado.

Dizia-me que num certo dia de final de ano esteve a olhar a imensidão do oceano. E alguma coisa inacabada a incomodava.

Demorei algumas horas para poder acreditar que naquele momento adentrei ao paraíso, anos após anós ter perambulado entre o inferno e o purgatório. Era ela que estava ali, diante de mim, assim como Dante se surpreendeu ao encontrar Beatriz à sua espera.

Questionei o porquê de ser Beatriz, e nada mais óbvio do que a referência do grande poeta, que encontrou sua musa a primeira vez, aos nove anos de idade.

Mas eu não era Dante, muito menos um poeta.

E por estar a pouco tempo diante do mar e olhando a imensidão do oceano, não pude deixar de lembrar Beatriz.

***

Já estava há alguns dias no hospital, aguardava as substâncias químicas agirem-lhe no corpo, percorrerem as veias num caminho sinuoso em direção à região inflamada, onde o exército de corticóides realizaria o trabalho da reconstrução da mielina.

Eu, aprofundado no caso, tinha as ações ineficazes, pois não havia nada a fazer, a medicina se encarregaria de restaurar a saúde em Beatriz, mas fiquei alí a fazer o que mais sabia.
_eu...

Beatriz balbuciou três palavras desconexas.

_Não entendi? comentei.

_eu amo.

a frase foi cerrada pelo efeito corticóide.

Fiquei muito pensativo com o que acabara de ouvir. Ouvir um eu amo inacabado poderia dar margem a muitas intepretações.

E antes que pudesse dar linearidade aos pensamentos, adentrou a enfermeira para a troca do soro:

_ A visita acabou, volte amanhã.

Despedi-me de Beatriz e quis acreditar que por um instante estive no paraíso, como Dante e apesar da jovem estar sob o efeito da medicação, quis crer que era verdade, mesmo tendo enormes dúvidas daquilo que eu nem sabia se era real ou um efeito anestésico.




***

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