Na imensidão da sua pupila, sua íris fazia movimento rotatório, clareada pela luz do sol.
Nunca tinha pensado na possibilidade. Mas diante do amor, aquela idéia não me pareceu absurda.
Uma viela na década de 20. Paramos numa boutique e um enorme espelho refletia um casal. Os dedos entrelaçados, o braço em sua cintura. Seu perfume era doce camomila. Só restavam eu e ela naquela viela ladrilhada, uma boutique, uma farmácia, um banco.
_Me abraça forte.
Abracei-a fortemente, enquanto nosso retrato se construía no velho espelho da boutique. Não estávamos no passado, mas vivíamos o passado na rua antiga construída no museu, como se o tempo retrocedesse aquém de nossas vidas, num lugar onde já houve a felicidade.
Um menino corria com o jornal, um cachorro passeava, um homem fumava um cachimbo enquanto foleava o jornal atrás das notícias. O bonde atravessava a viela, com seus passageiros, leques e vestidos com babados.
O nosso passeio ao museu foi muito agradável. Depois de um almoço e revelações, onde expûs todos meus planos, relatórios, cadernos, anotações, cálculos, todas as coordenadas que levei anos e anos para chegar alí, onde estava exatamente naquele momento.
Como na ficção, meu convite era para uma viagem de trem. O apito soou, anunciando a partida. Entramos, juntos, nos sentamos no banco de madeira da velha locomotiva, dois apitos soaram, não era o trem, era meu coração apitando. Era uma felicidade incrível. O trem se pôs em movimento, enquanto o vento bagunçava seu cabelo, fazendo-o tocar minha face, e sentir o doce perfume de cada fio castanho.
O passeio durou quinze minutos, mas para mim, durou a eternidade perseguida.
_ Olha que lindo!
Me apontou ao horizonte, onde um sol rotundo se esmeirava claramente, entre as folhas das árvores e os bancos constituídos.
_Vamos sentar ali.
Encostou sua cabeça em meu colo e o tempo parou mais uma vez. O tempo parou mais uma vez, o tempo parou, o tempo...
_Júlia, ela vai se chamar Júlia.
Não entendi sua indagação. Mas compreendi no momento em que abriu os olhos, e um feixe de luz tocou sua íris espalhando o castanho de seus olhos por todo o espaço.
_Sim, ela vai se chamar Júlia.
Ela sorriu com minha resposta e me apertou os dedos.
_A gente vai casar um dia.
Inclinei minha cabeça e a olhei verticalmente. Não me preocupei com o mergulho que dei dentro de seus olhos, e encherguei naquela mistura de cores, o colorido da vida. A plenitude de um amor, que era imortal.
A minha amada imortal.
***
Cheiro de éter. A paciente com lúpus eritamitoso sistêmico (LES) apertou meu braço, deixando-o roxo. A muito custo a mãe da menina conseguiu apartar os dedos fortes e manchados do meu braço. Era muito triste aquela figura de pele manchadas, uma jovem menina em seus quinze anos.
_A sua amada imortal está ficando mortal.
_Você não vai morrer, eu vou cuidar de você.
_Você não vai morrer, eu vou cuidar de você.
Ela começou a chorar. Chorou desenfreadamente. O estado dela era bem debilitado e já fazia alguns dias que estava naquele quarto de hospital. Na tarde anterior, ela havia recebido a visita de seu irmão, que não pela brutalidade do gesto, mas pela preocupação fraternal, entrou em desespero ao ver sua irmã alí, com um estranho, cheia de soros e agulhas.
O Casal de rosas, uma azul e outra vermelha descansavam no vaso. No leito da frente, uma paciente portadora de esclerose múltipla tentava se equilibrar nas muletas.
_Quero ir ao banheiro.
Os movimentos do corpo já eram lerdos. Tinha dificuldade em caminhar sozinha. Coloquei o par de chinelas em seus pés, segurei-a pela cintura e a conduzi pelo corredor. De dentro do banheiro, a acompanhante de uma outra paciente gritava:
_Enfermeira, enfermeira, preciso de uma enfermeira!
Um cheiro de vômito consumia o ar. O ambiente todo estava com um cheiro ruim. Mas eu já me acostumara com os odores, os gritos, e as roupas brancas que iam e vinham naquele corredor.
Só mais cinco minutos, anunciou a enfermeira.
_ Preciso de um Shampoo.
_ Te trago hoje à noite.
Me despedi com um beijo, e senti o gosto amargo do remédio de seus lábios.
Sai do quarto com uma sensação ruim. Não sabia ao certo até quando ela alí ficaria. O meu medo era que ela perdesse a fé, que eu já percebia que já se perdia.
Do lado de fora, fui me sentar no jardim de frente à capela, como costumeiramente, onde batia sol, para por a ordem nas desordens dos pensamentos. Um gato roçou na minha perna, espreguiçando-se em seguida. No corredor, Dora fumava descontroladamente.
***
Gostei do Blog!
ResponderExcluirFico feliz que tenha gostado! mas o sr. e o Orpheu são a mesma pessoa???
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