16 de janeiro de 2011

Catarse



_Eu queria que você entendesse que nem sempre as coisas são do jeito que queremos. São desígnos. O livre arbítrio. Não depende tão somente de nós. E você surgiu no momento que deveria surgir.



***


Os dias eram negros como uma nuvem densa e pesada. O tic-tac do relógio se confundia com o silêncio das paredes e do ambiente escuro do quarto. Não correspondia à nada, apenas imerso em sua profundeza. O tempo parou. Não tinha para onde ir, nem sequer sabia onde estava a saída, estava preso em seu próprio labirinto.

Os dias que se seguiram foram de um vazio imenso. A última vez que ouvira sua voz, era de ferocidade. Não teve tempo nem de exclamar uma sílaba sequer. Ela bateu o telefone anunciando o fim. Naquele momento entrou em catarse e julgou que jamais sairia dalí. As estruturas ruíram e o jardim suspenso desmoronou. Estava novamente alí, obsoleto, fora da história, como um papel amassado jogado no cesto. Descartado.

Haviam muitos fatores que confabularam para o fim de sua epopéia de forma trágica. Não adiantava pôr a culpa em Deus. No fundo de sua alma, sabia do perrenhe a que se propôs e pelo qual lutou de todas as formas. Sua missão terminava alí. Não poderia fazer mais nada. E nas letras distorcidas de Rose, que tentava alucidá-lo das questões espirituais, negava-se a aceitar o seu destino.

_Porquê? porquê? porquê? - martelava-lhe a mente.

_Você tem que aceitar. Você fez o que pôde. Ela não está mais aqui, perto de você.

Dias antes, ainda atordoado, voltou ao hospital, tão habitual aos seus dias. Foi lá buscar alguma lembrança boa que lhe amenizasse a dor que sentia. Percorreu os corredores, como numa reconstituição. Visualizou o capelão caminhando pelo extenso corredor, viu Dora em forma de fumaça, viu Beatriz de uniforme verde de paciente e o sorriso ainda doce, mesmo que sentindo dor.

_Eu te amo. Balbuciou ela, ainda grogue da medicação, com os soros nas véias, sob a maca de seu leito.

Aquilo soou ao seus ouvidos como uma melodia. Esperou a vida inteira para ouvir aquilo dela. Mas diante da situação, ele não sabia o quão real e sincero eram as palavras. Mas não se importava com isso, ouvir Eu te amo de quem se ama era a mágica mais fascinante que um ser humano poderia vivenciar.

Sentado nos bancos da neurologia, solitário no ambiente, ainda tinha esperanças de vê-la alí, perdida. Mas ela não estava lá. Os corredores gelados lhe causavam calafrios, na alma já gelada. Viu uma porta e adentrou. Olhou a placa "Psicóloga". Caminhou mais um pouco pelo corredor e pôs-se a sentar-se no chão. Diante dele, uma outra porta com a placa "Assistente social". Sentiu uma mulher quase negra, de jaleco branco indagar-lhe:

_Você está me esperando?

Ele a olhou debaixo pra cima, levantou-se e disse:

_Não.

A mulher o olhou e insistiu:

_Quer conversar?

Ele aceitou a conversa, entrou em sua sala e sentou-se a olhar a janela. Tudo silêncio. A mulher o olhava sem dizer nada, e ele soltou uma frase:

_Perdi ela, pra sempre.

_Você quer me contar a sua história?

Permaneceu alí por quase duas horas. Contou sua história e o que se passava.

A moça que o interpelava era a assistente social do hospital. Coincidentemente ele parou alí diante de sua porta.

_Eu sei quem ela é. Esteve aqui há uma semana. Parecia triste e desolada.

Ele a olhou com firmeza.

_Você a conhece?

_Sim, a conheço. Esteve aqui, sozinha. Veio verificar a documentação necessária para adquirir os interferons. Uma moça bonita, de cabelos castanhos e olhar desolado. Questionei-a se tinha alguém com ela e ela me respondeu que era sozinha, simplesmente só.

A luz do fim da tarde atravessava a janela e reincidia sobre seu rosto, ofuscando-lhe a vista. Ele se levantou, apertou a mão da assistente social que lhe disse:

_Boa sorte para você. Espero que um dia você encontre o acalento.

Atravessou o extenso corredor do hospital, já era tarde do dia e saiu sem querer entender o seu destino.



2 comentários:

  1. Olá Ronaldo! Estou retribuindo a visita ao meu blog. Infelizmente ainda não pude ler o seu blog, mas aos poucos vou lendo. Obrigada pelas dicas em OP, com certeza eu voltarei e quem sabe nós juntos? rs.
    Apesar que adorei ter viajado sozinha, é uma experiência única.

    Abraços!
    E vou coloca-lo no meu grupo de links.

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