7 de outubro de 2010

Ela me olha

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Ela me olha de um jeito estranho, com olhar de quem já percebeu minha curiosidade sobre sua figura. Vestia uma blusa de lã chumbo e botas de cano alto pretas, cabelos presos e brincos de argolas grandes.

O ônibus era um pouco menor do que o habitual, alterando toda a disposição dos passageiros nas poltronas. Como num jogo de damas, sentei-me estrategicamente de forma que pudesse observá-la sem ser observado, mas o reflexo na janela me denunciava. O Coletivo rodou num silêncio cotidiano, ambos olhando em seus próprios pensamentos e sem se preocupar com o movimento do mundo naquele instante.

Saquei de minha bolsa uma caneta e um papel, e pûs-me a escrever com letras tortas pelo balançar do movimento do ônibus. Escrevi alguns pensamentos que se passavam em minha mente, coisas do tipo "ela me olha de um jeito estranho"... Comecei a escrever a própria história em que me inseria naquele instante, sem saber ao certo qual seria o meio ou o desfecho.

A escrita fazia um barulho perceptível aos ouvidos, devido o apoiar no feiche da bolsa, que trilintava de forma não tão irritante. O zíper da sua bolsa se abre e uma agenda rosa é aberta. Ela também põe-se a escrever e em seus dedos um anel prateado reluz, denunciando seu compromisso.

Fiquei muito curioso sobre o que escrevia, mas tive quase a certeza de que não fazia o mesmo que eu, escrever uma história sem pé nem cabeça, anotando o cotidiano de dentro de um ônibus noturno.




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7 comentários:

  1. As vezes, escrever a própria ficção é melhor que se pode fazer para encarar a realidade. Mergulhar num devaneio cinematográfico e escolher a própria trilha sonora e até cogitar as falas alheias.

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  2. Poxa,... agora eu tb fiquei curiosa...

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  3. Eu tenho falas alheias dentro da minha cabeça. Umas pessoas que surgem do nada e criam diálogos imaginarios às vezes bem interessantes.

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  4. O cara de "Uma mente brilhante" era esquizofrênico... Então, hei Ronaldo foi vc que começou com o disparate! Rs.

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  5. Esquizofrenia ou não, eu tb faço isso. Quando acho interessante aproveito e escrevo um conto.

    Minha mãe diz que todo mundo tem algumas características de algumas doenças mentais. O que determina quem é doente é a capacidade de lidar com isso e seguir a vida.

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