Estive por lá em 1989, aos oito anos de idade após ser diagnosticado com meningite. Lembro muito bem da situação. Tinha acabado de voltar do colégio e bem no início da noite tive um surto muito forte de dor de cabeça. Era insuportável e qualquer incidência de luz me causava dores terríveis. Minha mãe correu comigo para o hospital, que era perto de onde morava. O que nunca esquecerei são as paredes amarelo ocre do hospital. Uma jovem médica residente loira e bonita me examinou e solicitou que fosse retirado um líquido da espinha, através de punção lombar. O nome do exame se não me engano era líquor. Esse exame foi dolorido demais, criança não gosta de agulha, mas a falta de prática da jovem médica foi tortuosa por demais. Ela acertou na quinta tentativa e eu abrindo o berro lá.
Fui mandado para um dos leitos do hospital onde permaneci internado por mais ou menos duas semanas. Naquela época a Angélica era o sonho de consumo das crianças taradas, não que eu fosse um tarado, mas toda criançada afirmava ser o namorado dela hahaha.O hit do momento? "Vou de táxi" realmente eu fui, mas só quando sai do hospital ainda um tanto debilitado. A primeira exigência à minha mãe foi que ela trouxesse uma sacola de bonecos do Star Wars, para eu passar o tempo. Um menino do lado também estava com a sua mãe e ele tinha os três bonecos do Karatê kid. Eu emprestei o Darth Vader e ele me emprestou o Senhor Miyagui. Uma das situações que me vem à memória foi numa madrugada, quando a equipe médica acendeu as luzes do quarto para examinar um outro garoto. Lembro que abri os olhos e fiquei a observar o que eles fariam com a pobre criança. Eles abaixaram a calça do menino e introduziram uma agulha em sua uretra. Era um exame do "pipi do menino", ele chorou pra dedéu. E o pior é que eu achava que seria o próximo e tratei de proteger o meu.
Nós não podíamos usar nosso próprio pijama. Tínhamos que usar um uniforme verde e sem cueca. Era muito desconfortante ficar com as coisas lá assim, ao vento. A enfermeira veio me levar pra tomar um banho. Ela tinha uma cara de brava e desconfiada, ela me dando banho não seria nada legal, então tratei logo de abrir o berro. Minha mãe disse " o que foi?" e eu disse "mãe, ela deve ser brava, não quero tomar banho". E lá foi minha mãe me dar banho. Pelo menos escapei da enfermeira. O banheiro era coletivo e não tinha paredes. Tinha vários chuveiros sem divisórias. Bem no finalzinho do banho, entrou um pelotão de meninas tudo pelada pra tomar banho. Acho que tinham umas sete meninas. É claro que meti a mão no saco né? ficaria peladão assim de graça? "mãe, me enrola mãe" e sai enrolado na toalha. E eu vi todo mundo pelado! ahahaha.
Logo após veio um médico, que deveria ter na época uns trinta anos. Ele disse à minha mãe que necessitaria fazer mais um exame de Líquor, para verificar se o líquido cefalorraquidiano (LCR) estava adequado aos níveis de normalidade da quantidade de bactérias causadoras da meningite. Me levaram para uma sala onde tinham vários residentes do hospital, ou seja, me senti uma cobaia de laboratório. Dessa vez não chorei e a dor foi muito amena, o médico acertou de primeira enquanto explicava aos futuros médicos como se fazia a coleta e o exame.
Dois dias depois ele veio ao meu quarto, olhou a prancheta que ficava dependurada na maca e disse "Daremos alta" e eu desesperado " mãe, o que é alta?". "Alta é que vamos embora do hospital". Ô felicidade!
Durante a assinatura da alta, era bem de manhã e fazia sol. Minha mãe e eu caminhávamos pelo corredor e logo na saída, vi o pai do Luiz Ricardo de Werk Jr. ( o júnior) colega de infância e de bairro, adentrando as dependências do hospital. Pegamos um táxi e voltamos pra casa. Acho que tive sorte, apesar da sensibilidade à luz ainda persistir, saí sem seqüelas e totalmente curado.
Em 1995 o hospital, já desativado, ganhou destaque na mídia, quando o ator Matheus Nachtergaele encenou uma peça de teatro polêmica nas dependências do hospital, chamada " O livro de Jó". Abaixo, um trecho de uma matéria da época:
"Agora, os três andares do pavilhão do Hospital Umberto Primo, na região da avenida Paulista, foram reinventados como labirinto onde o público acompanha as cenas. A iluminação de Guilherme Bonfanti e a cenografia de Marcelo Pedroso e o próprio Araújo dão a perspectiva onírica - ou melhor, de pesadelo.
O ambiente hospitalar, com todo seu descalabro público e morbidez, esta representado. O sangue que envolve Jó, em interpretação contagiante de Matheus Nachtergaele, o cheiro de éter, os corredores gélidos, as macas, o soro... Difícil manter a distância emociona em "O Livro de Jó".
No sábado passado, um espectador desmaiou quando as cenas aconteciam ainda no primeiro andar. Provável mal-estar diante do corpo de Jó mergulhado na pia de sangue".
A idéia da Puc é utilizar as salas do hospital como um espaço cultural e outras dependências seriam destinadas a espaços comerciais e lojas. Bom, só espero que não transformem num shopping center, pois o hospital traz boas e más lembranças a quem por lá passou e no meio de tanto concreto e aço, ainda conserva um certo romantismo arquitetônico decorado com o verde das árvores que ainda predominam na região.
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